Novembrina Solene / Solennelle novembrette (Ruy Duarte de Carvalho)

Angola
  • portugais

Ruy Duarte de Carvalho,  Chão De Oferta. Luanda : Culturang, 1972.

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Texte en version originale

Version originale

Original version


Transmudação das águas

 1

Não era
ainda
o tempo das manhas lavadas
como nocturnas cabeleiras
escorrentes e interiormente macias
ou come o som de uma galopear em chão de [estrelas
ou mesmo a cor
de um vinho novo contra o sol

2

Era o mato
a mata
a cor lisa das pedras
e das ramas
o espinho raso
a sombra inacessível
o bruto e agreste piso.
Era a acácia
rara ampola de humidade verde
concentrando
o derramar espinhoso da tremente sede
nivelada
na escura sucessão das copas baixas.
A interminável dimensão do Sul
e pó.

3

Era um mês de nuvens baixas
volumosas e ocas
um mês de madrugadas curtas
já pesadas
e de manhãs e céu palpável
cinzento e rente.
Era o mês do extremo esforço das ramagens
das derradeiras hastes
quebradiças ao vento.
O mês das migrações
tardias e arrastadas.
Mês de tributo às águas:
o sacrifício imposto
a selecção do débil
do cedente
do mais pungente olhar brilhante
encastoado na latente anhara
como uma brasa
de ritual cumprido.
Era um mês de charcos negros
amassados
em rastos fundos de nocturna busca
silêncio e espera.
O mês das derradeiras humidades.

4

Era novembro
um mês de cargas raras
húmido ardor
goma indecisa
sobressalto de ar.
De atenção às nuvens e à direcção do vento
consulta às luas e à ligeira referência
de um alado brilho de insecto
precursor
de um novembro a derramar-se em chuva [morna.
Porque novembro
o mês difícil, é também
o da mais breve primavera.
Escasso deslize
Da mão da tempestade

Ruy Duarte de Carvalho, Lavra : Poesia Reunida 1970 / 2000. Lisboa : Cotovia, 2005, pp. 39-41

Texte en français

Traduction française


Transmutation des eaux

1

Ce n’était pas
encore
le temps des matinées lavées
comme de nocturnes chevelures
détrempées et humides au-dedans
ou comme le son d’un galop sur un tapis d’étoiles
ou même la couleur
d’un vin nouveau au soleil

2

C’était la savane
la jungle
la couleur lisse des pierres
et des branches
l’épineux au ras
l’ombre inaccessible
le sol brutal et agressif.
C’était l’acacia
rare capsule de verte humidité
concentrant
l’épanchement épineux de la tremblante soif
nivelée
par la sombre succession des couvre-chefs.
L’interminable dimension du Sud
et la poussière.

3

C’était un mois de nuages bas
volumineux et creux
un mois de courtes aurores
déjà pesantes
et de matinées et de ciel palpable
cendré et bas.
C’était le mois de l’extrême exertion des [feuillages
des derniers pédoncules
battus par le vent.
Le mois des migrations
tardives et retardées.
Mois de tribut aux eaux :
le sacrifice imposé
la sélection du faible
du fragile
du regard brillant le plus poignant
enchassé dans la savane latente
comme le brasier
d’un rite accompli.
C’était un mois de bourbiers noirs
pétris
en pistes immenses de traque nocturne
silence et attente.
Le mois des dernières humidités.

4

C’était novembre
un mois de peu d’abondance
ardeur humide
sève indécise
tressaillement d’air.
D’attention aux nuages et au sens du vent
consultation des lunes et du signe imperceptible
de l’éclat ailé de l’insecte
annonciateur
d’un novembre qui se défait en pluie tiède.
Parce que novembre
le mois difficile, est aussi
celui du plus fugace printemps.
Rare étourderie
De la main de la tempête.

Traduit en français par Dorothée Boulanger

Texte en anglais

English translation


Transmutation of waters

1

It wasn’t
yet
the time of washed mornings
like nocturnal hair runny and soft inside
or eat the sound of a gallop on a floor of stars
or even the color
of a new wine against the sun

Contributrice: Dorothée Boulanger